Ampla defesa em condomínio

12/07/2017 12:15

Administração de condomínio edilício, sem qualquer procedimento prévio interno destinado a ouvir condômina, sem processo e decisão do Poder Judiciário sobre o caso, culpou locatários desta consorte por danos em elevador, que teria sido depredado por eles. Ato contínuo, emitiu boletos para a cobrança do valor que considerou devido pelos reparos, colocando a condômina como devedora; restringiu o seu acesso às áreas comuns e inseriu seu nome no cadastro de inadimplentes. A consorte, por não reconhecer o fato lesivo atribuído aos seus inquilinos e a sua responsabilidade, promoveu demanda declaratória de inexistência de débito com pedido de antecipação da tutela, que foi indeferida em primeiro grau. Interposto recurso de agravo de instrumento, o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por v. acórdão relatado pelo 1. des. Joel Dias Figueira Júnior, confirmando fundamentação de outro I. Des. Subst. Luiz Zanelato, que havia concedido o efeito ativo liminarmente, no julgamento final proibiu as condutas da síndica, inclusive cobrança, ficando o condomínio obrigado a aguardar o trânsito em julgado da demanda declaratória, destinada a apurar quem, realmente, tem razão.

Destaca-se, do r. aresto, que “não há título que dê respaldo à cobrança realizada pelo condomínio” e que, embora a convenção faça a previsão de que o condômino responde pelos danos causados pelos seus locatários, isso “não autoriza a síndica do condomínio valer-se da autotutela para condenar sumariamente um dos condôminos” e que “a obrigação de indenizar apenas poderia ser imposta à agravante pelo Poder Judiciário”, reportando-se à doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery.

Para o v. acórdão, ainda “seria obrigatória a instauração de procedimento administrativo, onde fosse facultada à agravante a ampla defesa, por meio do contraditório, em observância ao princípio do devido processo legal que também deve ser respeitado nas relações privadas”, aqui citando posição de Fredie Didier Júnior.

O r. aresto fala em “procedimento administrativo” em sentido amplo e não em sentido estrito (que envolveria a presença dó Estado). O procedimento, dentro do condomínio, é estatutário e privado, normalmente se desenrolando em assembleia especialmente convocada para, discutir os danos, a responsabilidade por eles e as providências a serem tomadas pela administração. E necessário convocar todos os condôminos, sobretudo aquele supostamente a ser demandado, para, querendo, manifestar-se. O procedimento pode estar ‘expressamente previsto na convenção ou, embora não prenunciado no estatuto, deve ter lugar quando o síndico convoca assembleia para aprovar o ajuizamento da pretensão, contratação de advogado etc. A convenção é a constituição interna corporis do condomínio. Uma vez aprovada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, e arquivada pelo oficial de registro de imóveis competente, é obrigatória para todos eles e para quem quer que adentre o prédio (Lei n° 4.591/64, art. 9°, § 1° e 2°; e Código Civil, art. 1.333 e parágrafo único).

Boa parte das convenções condominiais faz a previsão de procedimentos assemelhados. O síndico, representante do condomínio, tem a obrigação de promover o cumprimento da lei e da convenção nos limites do prédio, podendo, inclusive, impor as multas fixadas por estatuto ou assembleia (Lei n° 4.591164, art. 22, § 1°, alíneas “a”, “d” e “e’ CC, art. 1.348, incs. II, IV e VII). E comum a estipulação de que dos atos do síndico cabe recurso à assembleia, que é o órgão com o poder deliberativo máximo dentro do ente corporativo (Lei 4.591/64, art. 22, § 3°).

A Constituição Federal, no art. 5°, mc. LV (seguindo na mesma linha o inc. LIV), dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. É salutar entender que, nas relações privadas, tal principio deve ser igualmente observado. Contudo, ainda quando ele é respeitado dentro do condomínio, a deliberação final interna não é exequível de plano. Não há espaço para a autotutela particular, porque “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (CF, art. 5°, mc. LIII).

É importante lembrar que o Código de Processo Civil, no art. 784, inc. X, considera título executivo extrajudicial, ensejando processo teoricamente mais rápido, “o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, prevista na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas”. Presume-se a liquidez, a certeza e a exigibilidade do crédito, que, no entanto, pode ser atacado por meio de embargos (arts. 914, 915 e 917, incs. I, III e VI).

Não se enquadram propriamente nos conceitos de “contribuições ordinárias e extraordinárias” (confira-se na Lei 8.245/91, arts. 22, inc. X, parágrafo único e alíneas; e 23, inc. XII, § 1° e alíneas) e requerem processo de conhecimento, rito comum, em tese mais lento, com ampla dilação probatória justamente pela maior complexidade da relação jurídica (definição de culpa etc.), dependendo de sentença condenatória para ter força executiva, os valores para a reparação de danos por ato ilícito, comono caso do r. aresto em destaque, assim como relativos às multas disciplinares em geral, tais como as citadas nos arts. 1.336, § 2°; e 1.337 e parágrafo único, do CC.

Em síntese, no ambiente condominial, a ampla defesa deve ser garantida, mas cabe ao Estado, pelo Poder Judiciário, o exercício da jurisdição, a resolução de lides e, sobretudo, a execução do que é decidido, autorizando o uso da força, se necessário. A autocomposição e a arbitragem podem resolver conflitos; a assembleia pode dar respaldo à conduta da administração; mas, ainda assim, não havendo cumprimento voluntário de acordos ou deliberações, para levar a efeito coativamente o que é contratado ou decidido, o interessado precisa do Estado, que, grosso modo, detém o monopólio legítimo da força, parafraseando Max Weber.

Fonte: Paulo Eduardo Fucci / Tribuna do Direito / Nº 291 / Julho de 2017

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